Apologia de Sócrates, de Platão

 

FICHA TÉCNICA

2015 / 200 pág / Belém

Autor: Platão

Tradutor: Carlos Alberto Nunes

Editora: Ed.ufpa

Edição: 3ª ed. rev. e bilíngue 

Catalogação bibliográfica: Filosofia Antiga

ISBN: 978-85-247-0529-8


A obra Apologia de Sócrates é um diálogo sobre o julgamento do filósofo Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), também é um relato do quanto a prática filosófica pode tornar-se alvo de calúnias, injustiças e poderes déspotas. O autor da obra, Platão, faz uma espécie de autobiografia sobre o seu mestre, indo além de um simples testemunho histórico, pois ao colocar a figura de Sócrates em cena, apresenta uma certa ideia de filosofia enquanto amor à sabedoria em coerência com a virtude, a justiça e a verdade.


Os dois sentidos que a Apologia pretende denotar pode ser evidenciado tanto pelo fato de que a mesma trata-se de um retorno explícito ao “discurso de defesa” feito por Sócrates durante seu julgamento, em 399 a.C., além de um “elogio” implícito ao mesmo, realçando o princípio filosófico de verdade e de probidade, ou ainda, pelas cogitações filosóficas busca-se elucidar a natureza da justiça ou a fragilidade da mesma, da mesma maneira que também orienta a postura do filósofo perante a sociedade.


Carlos Alberto Nunes (Introdução, p. 77-78), ao explicar a respeito de saber se a obra em questão é exatamente as palavras do réu perante o tribunal de Atenas ou se trata-se de uma ficção a posteriori – provida de arranjo e retórica declara que “a esse respeito, o acordo é quase unânime, de que na Apologia há tanto de Sócrates como de Platão”, só discordando “os comentadores na maneira por que procuram determinar a contribuição de cada um”. E complementa ao afirmar que “em toda a Apologia nada há que destoe do que se conhece do grande irônico, pelo que dele nos deixaram escrito seus contemporâneos”.


Já sobre a estrutura da obra e ainda conforme os esclarecimentos feitos por Carlos Alberto Nunes (Introdução, p. 80), é relevante mencionar que a mesma pode ser dividida em três partes, “de extensão desigual, condicionadas pelas pausas naturais do processo; ou seja, tal divisão dá-se a partir da sequência de acontecimentos: 1ª) o prólogo, definido pelo contexto da defesa; 2ª) a narrativa e argumento, tendo como contexto a pena; 3ª) a conclusão, no momento após a condenação, sendo o momento da súplica e da despedida.


Os eventos presentes no julgamento de Sócrates sempre apontam para o arquétipo filosófico do sujeito que é amante da sabedoria e se propõe a afirmar a necessidade da filosofia para a vida virtuosa, que é articulada pelo cidadão que não teme defender a verdade mesmo sob ameaça de morte, pois permanece fiel à verdade como fizera Sócrates durante seu julgamento que finaliza sua defesa com a seguinte integridade: "Prefiro mil vezes morrer por me ter defendido como o fiz, a ficar vivo se tivesse falado de outro modo" (p. 145).


O filósofo também questiona a veracidade das acusações formuladas pelos acusadores, afirmando que as mesmas são provenientes de duas classes: a) acusações antigas; b) acusações recentes. Assim, Sócrates busca esclarecer as origens e a relação entre estas duas classes, examinando-as pelo seu método investigativo que é determinado pela ironia e pela maiêutica, recorrendo à clareza argumentativa para afastar a doxa (opinião) e alcançar a episteme (conhecimento), bem como desconstruir os preconceitos e calúnias usados para a falsa legalização do julgamento em questão.


Obstinadamente, expõe as causas das acusações e as razões que as tornam calúnias provenientes exclusivamente de ódio e ressentimentos, dado que ao questionar as pessoas e a sociedade da época, provocava incômodo àqueles que eram considerados os mais sábios, porém, “todos eles se revelaram simuladores de sabedoria, quando, de fato, nada sabem” (p. 107). Quando os falsos sábios – ou simuladores de sabedoria – eram examinados pelo filósofo e postos ante o vexame de reconhecer que nada sabiam sobre o que diziam saber muito, ao invés de reconhecerem a própria soberba e arrogância, revoltaram-se contra Sócrates, acusando-o de negar os deuses da cidade, adotar novos cultos e corromper a juventude; ou conforme é expressado pelo mesmo perante o tribunal: “Sócrates erra por investigar indevidamente o que se passa embaixo da terra e no céu, por deixar bons os argumentos ruins e também por induzir outros a fazerem a mesma coisa” (p. 97).


Segundo Sócrates, seu hábito filosófico – ou missão filosófica – fora impulsionado pela sacerdotisa Pítia (oráculo do templo de Apolo, em Delfos - Antiga Grécia) ao afirmar que ele era o mais sábio dentre os homens. Entretanto, Sócrates ficou reflexivo sobre o real significado de tal afirmação, uma vez destacando que sua sabedoria é, “possivelmente, uma sabedoria puramente humana” (p. 101), podendo ser considerado sábio neste sentido e consciente de que não era nem muito sábio, mas também não era pouco. Por isso, passou a investigar o caso ao examinar os indivíduos considerados sábios, ou mais precisamente, Sócrates procurou alguém que era político, em seguida, alguém que era poeta e, por último, alguém que era artista.


O primeiro a ser examinado (político), “passava por sábio para muita gente, mas principalmente para ele mesmo, quando, em verdade, estava longe de sê-lo” (p. 103); os segundos a serem examinados, também falavam “muitas coisas bonitas, mas sem saberem o que dizem” e “pelo fato de fazerem suas composições, em todos os assuntos eles se consideravam os mais sábios dos homens, o que, evidentemente, não eram (p. 105); por fim, procurou os artesãos que, segundo Sócrates (p. 105), conheciam, realmente, muitas coisas que ele “ignorava, sendo nisso, precisamente, mais sábios” do que ele. Todavia, assim como os políticos e poetas, os artesãos “pelo fato de cada um deles conhecer a fundo determinada profissão, julgavam-se proficientes nas questões mais abstrusas, donde estragar esse defeito fundamental de todos a sabedoria de cada um” (p. 105).


Por essas e outras, Sócrates começa a compreender as razões que fizeram o oráculo considerá-lo o mais sábio, afinal, o mesmo era consciente do fato de que nenhum de nós sabe muita coisa, como bem pontuou ao examinar o político: “Pode bem dar-se que, em verdade, nenhum de nós conheça nada de belo e bom; mas este indivíduo, sem saber nada, imagina que sabe, ao passo que eu, sem saber, de fato, coisa alguma, não presumo saber algo. Parece, portanto, que nesse pouquinho eu o ultrapasso em sabedoria, pois, embora nada saiba, não imagino saber alguma coisa” (p. 103).


Após isso, Sócrates reforça sua crença de que a divindade ao afirmar que ele era sábio, apenas o incumbiu da missão de dedicar-se exclusivamente à filosofia e ao exame de si mesmo e de outrem, isto é, negar a sua missão seria o equivalente a negar os deuses, restando-lhe manter-se fiel à sua incumbência mesmo sob ameaça de morte, pois temer a morte “outra coisa não é senão considerar-se sábio; equivale a imaginar alguém que sabe o que ignora. Ninguém sabe o que seja a morte, e, ignorando até mesmo se porventura não será para os homens o maior dos bens, temem-na como se soubessem com certeza que é o maior dos males” (p. 123).


De tal forma, o filósofo irônico recusa-se a aceitar qualquer amenização da condenação que tenha como objetivo interromper suas investigações e sua dedicação à filosofia, destacando que jamais deixará de filosofar e exortar aos cidadãos que é “da virtude [...] que provém a riqueza e os bens humanos em universal, assim públicos como particulares” (p. 125). E assevera afirmando que independentemente de ser absolvido ou punido, jamais viverá de outra maneira, mesmo que lhe aguarde a punição de morrer mil vezes. E verdade seja dita, Sócrates é apresentado como o modelo ideal do filósofo, o amante da sabedoria que dedica sua vida ao exame da virtude e de outros assuntos necessários para a verdadeira investigação filosófica, de tal modo a crer no fato de “que a vida sem esse exame não vale a pena ser vivida” (p. 143).


Portanto, torna-se conveniente finalizar destacando o consenso de que, como bem esclarece Carlos Alberto Nunes (Introdução, p. 88), a Apologia de Sócrates é aceita como “retrato de corpo inteiro, da primeira à última palavra, pois até as falas do fim só servem de acentuar ainda mais os traços característico do filósofo: do filósofo histórico que fora julgado injustamente em Atenas, bem como dos filósofos das gerações posteriores; além de revelar o caráter relativo das decisões jurídicas, principalmente quando tais decisões são influenciadas por grupos ou indivíduos influentes.


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