Por que Tenho Medo de Lhe Dizer Quem Sou?, de John Powell


FICHA TÉCNICA

1997 / 141 pág / Belo Horizonte

Autor: John Powell

Tradução: Clara Feldman de Miranda

Editora: Crescer

Catalogação bibliográfica: Psicologia aplicada

ISBN: 85-85615-10-9


O livro em questão não é um manual como muitos textos de autoajuda pretendem ser, mas uma obra que pretende ser "insights a respeito do autoconhecimento, do crescimento pessoal e da comunicação interpessoal”, ademais, percorre abordagens mais realistas e estratégias que estão aquém de falsas fórmulas e receitas de felicidade, em suma, o leitor depara-se com lições e ensinamentos da psicologia aplicada em vez de fórmulas mágicas. 


Por isso, o best-seller Porque tenho medo de lhe dizer quem sou? é uma obra que ajudou (de acordo com os dados da 15ª edição) mais de 2.500.000 pessoas, e isto, na medida em que o autor relaciona o processo do desenvolvimento humano com a necessidade de autoconhecimento para a construção de relações saudáveis, almejando conhecer as pessoas tal como são e a partir de uma comunicação de si na qual a coerência é um princípio indispensável. 


À vista disso, John Powell (1925-2009) - padre jesuíta, escritor e professor - esquematiza algumas das principais máscaras que constituem os padrões comportamentais dos diferentes tipos de personalidades e que revelam-se sob papéis e posturas adotadas face aos medos, inseguranças, autopreservação e rejeição às quais todos estão sujeitos, ou melhor, é válido supor que a possibilidade de julgamento torna os indivíduos covardes. Ou seja, as máscaras e papéis da consciência são subterfúgios de autopreservação da mesma, não obstante, torna as relações superficiais na medida em que fragmenta a comunicação de si para o outro que, também, deseja comunicar a si mesmo.


Por isso, logo no primeiro capítulo do livro, Compreendendo a condição humana, encontra-se a comunicação como ponto de partida, afinal, este é um dos principais pilares da obra, considerando que a comunicação é o "processo pelo qual alguém ou alguma coisa torna-se comum a duas ou  mais pessoas, ou seja, é compartilhada" (POWELL, 1997, p. 09). Em outras palavras, frisa-se a importância de comunicar-se ao outro, superando a mera representação dos papéis que disfarçam e escondem a pessoa "real", aquilo que se é verdadeiramente, isto é, a pessoa real refere-se ao "que penso, julgo, sinto, valorizo, honro, estimo, amo, detesto, temo, desejo, espero, acredito e me comprometo com" ( p. 10). Assim sendo, a revelação da pessoa “real”, supondo-a despida de suas máscaras, encontra-se na comunicação dessa carga de forças que forma e constitui uma pessoa em sua totalidade, as coisas que definem a pessoa em seu processo de mudança permanente, dia após dia. A comunicação de si vincula-se intimamente com a condição humana em reconhecer o medo da rejeição e de não ser aceito pelo pouco que se é, pois, “se eu lhe disser quem sou, você pode não gostar, e isso é tudo que tenho" (p. 11).


O ente humano, segundo o autor, é determinado por um problema que pode ser considerado universal e compreendido a partir da condição humana, em outros termos, a condição humana determina-se a partir das dores e “cicatrizes humanas  que bloqueiam o caminho para o verdadeiro amor'' e “são as mesmas cicatrizes, as mesmas dores e medos que bloqueiam o caminho para a verdadeira comunicação, sobre a qual o amor é construído” (p. 14). Consequentemente, esta construção se dá desde a infância pela interação entre os indivíduos, de modo que forma-se os primeiros e principais papéis da personalidade de cada pessoa, a isto, Powell chama de análise transacional, constituindo-se em "estados de ego" que consistem nos papéis adotados para cada interação e diferentes situações, tornando difícil a interpretação e a compreensão dos mesmos. 


A "programação" dos estados de ego (papéis e máscaras) constrói o indivíduo presente, em suma, todo o psicodrama dentro de cada pessoa é uma luta constante por dominação. Neste sentido, em cada ação, dependendo da situação, um personagem (ou máscara/persona) irá se manifestar de acordo com as experiências do passado, principalmente quando os personagens estão intimamente ligados a lembranças de experiências com os pais, amigos, familiares, etc. De acordo com Powell, o profundo empreendimento humano deve ser intervir na “programação” e visar libertar o ser humano pleno que habita em cada um, libertando-o das programações que fora exposto desde a primeira infância e, deste modo, tornar-se mais "ator" e menos "reator", isto é, tornar-se um sujeito mais autônomo e livre.


O segundo capítulo, Crescendo como pessoa, o autor ressalta a importância do crescimento como pessoa a partir da autocomunicação e do encontro interpessoal como meios de se alcançar tal crescimento, contudo, não refere-se a qualquer crescimento, mas evidencia que não existe uma "pessoa inteiramente crescida, porque cada um de nós deve crescer na sua própria direção, e não tornar-se 'como' uma outra pessoa" (p. 27), ou seja, em termos de funções, a pessoa crescida é aquela "auto-realizada", uma "pessoa inteiramente humana". 


A partir disso, destaca-se que a conquista da "auto-realização" reside no equilíbrio entre interioridade e exterioridade, pois o introspectivo na sua excessiva autopreservação, preocupa-se demasiadamente consigo mesmo, tornando-se "o centro de gravidade em seu próprio universo'' e faz-se desatento “em relação ao vasto mundo à sua volta. A pessoa muito extrovertida lança-se para fora, movendo-se de uma distração externa para outra. Sua vida nada tem de reflexiva e, como consequência, há pouco aprofundamento interior" (p. 28). Enquanto a interioridade possibilita a experiência consigo mesmo, progredindo no processo de auto aceitação e do tornar-se a melhor versão de si mesmo, não menos importante, a exterioridade desperta para o mundo e para o outro, ou melhor, solicita a oportunidade de crescer com o outro, tornando-se capaz de relacionar-se livremente.


No terceiro capítulo, Relacionamentos interpessoais, o autor inicia apontando a comunicação como elemento inerente à boa relação, isto é, “um relacionamento só será bom na medida em que for boa a sua comunicação” (p. 39) e revelar aquilo “que pensamos, julgamos, sentimos, valorizamos, amamos, respeitamos, estimamos, odiamos, tememos, desejamos, esperamos, acreditamos e nos comprometemos [...] dizer o que realmente pensa, expressar o que realmente sente, falar daquilo que realmente ama" (p. 39-40). 


Assim, descreve a relação sujeito-objeto versus o "encontro", na medida em que o encontro é comunicar e compartilhar com ou outro aquilo que se é, todavia, identifica os cinco níveis de comunicação primordiais para firmar o encontro interpessoal, isto é, sem uma comunicação a nível visceral, torna-se infactível encontrar-se plenamente com o outro, pois "todas as amizades profundas e autênticas, especialmente os casamentos, devem ser baseados em absoluta abertura e honestidade" (p. 51). 


No quarto capítulo, Lidando com nossas emoções, o leitor depara-se com a constatação de que “a pessoa plena não reprime suas emoções” (p. 75), pelo contrário, busca tornar-se ciente, admitindo e investigando as mesmas. Em suma, de acordo com Powell ao falar sobre afastamento, encontro e emoções, quase todos os prazeres e sofrimentos da vida estão profundamente envolvidos com emoções tal qual a maior parte da conduta humana é resultado de forças emocionais; também alega que a maior parte dos conflitos interpessoais resulta de tensões emocionais (ex: raiva, ciúme, frustração, etc.), assim como a maioria dos encontros interpessoais são alcançados através de algum tipo de comunhão emocional (ex: empatia, ternura, sentimentos de afeição, atração, etc.).


O quinto capítulo apresenta os Esconderijos humanos: métodos de defesa do ego que, segundo o autor, trata-se de “compensações cultivadas para contrabalancear e camuflar alguma coisa que consideramos como defeito ou uma desvantagem” (p. 87). Ou seja, os métodos de defesa do ego são comportamentos compensadores nos quais dissimula-se fraquezas e fragilidades (reais ou ilusórias) mediante papéis e jogos de ego, neste sentido, Powell destaca que “um comportamento exagerado de uma pessoa significa, em geral, justamente o oposto do que ela declara” (p. 89).


Em síntese, os métodos de defesa do ego originam-se de medos, inseguranças e vícios que foram violentamente reprimidos e disfarçados sob as máscaras da projeção, racionalização, deslocamento, entre outros citados pelo autor.


Ao continuar no sexto capítulo com Um catálogo de jogos e papéis, Powell expõe os padrões comportamentais comuns nas relações humanas que, segundo o mesmo, não há restrição de sexo ou idade, pois “qualquer um pode adotar um ou mais desses jogos, que são: sempre certo, todo coração, corpo bonito, valentão, palhaço, competidor, conformista, iludido pela grandeza, dominador, flertador, ranzinza, cético, sonhador, fofoqueiro, hedonista, inferior e culpado, indeciso, solitário, fanático, ressentido, super-mãe, entre outros. O caso da super-mãe refere-se a uma maternidade que não é fruto do amor genuíno, saudável e maduro, mas de uma ansiedade neurótica e de relações conjugais frustradas, pois a mãe faz tudo pelo filho, ao mesmo tempo que transferi para o mesmo todo seu afeto, visto que é infeliz com o marido e "a criança carrega o peso da vida afetiva insatisfatória da mãe" (p. 129). Torna-se indispensável ressaltar que “esses jogos têm uma coisa em comum, não importa o quão diferentes possam parecer; mascaram e distorcem a verdade sobre o que tenho de melhor para compartilhar com você: eu mesmo” (p. 103). 


Portanto, a obra em questão é um precioso acervo de informações e análises sobre a condição humana e suas implicações de cunho individual e coletivo, o que torna-a substancial àqueles que desejam saber mais sobre a própria constituição psicológica e, isto posto, sobre as relações interpessoais como um todo.


Comentários

  1. Obrigada pela resenha tão completa.

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  2. obg ao criador deste livro

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  3. Bom dia. Muito grato pela resenha! Ficou excelente e conseguiu fazer um texto claro e muito objetivo.

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  4. Parabéns pela resenha! Trouxe ponto de vista que conseguiu transmitir muito bem a proposta do livro, com passagens relevantes e ainda dividido em capítulos.

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