Lances Inocentes, de Steven Zaillian


FICHA TÉCNICA

1993 / 110 min / Estados Unidos

Direção: Steven Zaillian

Gênero: Biografia, drama

Elenco: Max Pomeranc, Joe Mantegna, 

Joan Allen


O filme Lances inocentes encontra-se em destaque nas referências de obras cinematográficas que pretendem retratar o xadrez, principalmente ao valer-se de fatos históricos e protagonistas reais, em outras palavras, a obra em questão exprime de maneira genial o jogo que é um esporte intelectual, tendo como ponto de partida uma criança estadunidense de sete anos, na qual nota-se uma excepcional genialidade para o jogo de xadrez.


Ao notarem o interesse singular e criativo de Josh Waitzkin pelo xadrez, seus pais, Fred Waitzkin e Bonnie Waitzkin, esforçam-se para encontrar métodos educativos eficazes para o desenvolvimento das potencialidades do filho. Sabe-se que a idade ideal para a criança aprender xadrez é entre seis e sete anos, de acordo com as literaturas especializadas no ensino de xadrez, mais especificamente o xadrez escolar, ou seja, o protagonista do filme encontra-se na faixa etária ideal apontada pelos estudos sobre o tema. 

 

O xadrez é um dos jogos mais sofisticados da humanidade e tornou-se gradativamente um jogo que estimula a inteligência na medida em que substancia o processo de abstração e assimilação de dados, pois jogar xadrez significa identificar e formar padrões, cálculos, táticas e estratégias, assim sendo, pode-se afirmar que o raciocínio lógico é a alma deste jogo-arte-ciência. Segundo Idel Becker (2002, p. 09) o xadrez é “uma arte: pode criar beleza - em partidas e problemas que produzem no enxadrista, a emoção estética”; é também uma ciência, pois “responde a regras, leis e situações, cuja pesquisa e estudo norteiam os jogadores e lhes dão maior domínio no jogo”. 

 

Nesse sentido, o xadrez é um conteúdo didático-pedagógico que aumenta a autoestima, estimula o raciocínio lógico, motiva a tomar decisões, estimula a capacidade de dedução, aumenta a capacidade de antecipar ações, melhora a concentração e a memória, fortalece a disciplina e o respeito mútuo, etc. São pontos que podem ser notados em diversas situações do filme sob a trajetória de Josh Waitzkin, seja quando o mesmo depara-se com a necessidade de agir diante do pesado fardo ao sentir-se pressionado pela necessidade de não perder, ou ainda, diante da necessidade de ter autoconfiança ao jogar com adversários ferozes e, concomitante a isto, adquirir maturidade para portar-se com respeito e integridade. 

 

Outro ponto muito explorado pelo filme refere-se ao fator genialidade, pois Josh Waitzkin apresenta certas características próprias de alguém que, se bem direcionado, poderá tornar-se um brilhante enxadrista. Obviamente, se o xadrez é uma ciência, arte e um jogo que pode ser estudado de maneira similar à música, física e outros saberes, isto significa que jogá-lo bem não é uma dádiva cedida apenas a poucos iluminados de vocação e capacidade, todavia, “assim como nem sempre surgem um Einstein ou um Beethoven, também não aparecem frequentemente um Lasker ou um Capablanca" (BECKER, 2002, p. 09), ou ainda, um Bobby Fischer, apenas para situar e contextualizar com o enredo do filme.    

 

No que se refere à genialidade enxadrista, Bobby Fischer cumpre bem este papel, pois além de brilhante, era contraditório, misterioso e polêmico. Esta característica é acentuada pelo filme nas várias referências feitas sobre fatos da vida do décimo quarto campeão mundial de xadrez que vencia seus adversários e desaparecia misteriosamente durante anos, estes e outros fatos sobre o enxadrista que aos 13 anos de idade jogou e venceu a imortalizada partida de xadrez conhecida como a "Partida do Século"[1], contra Donald Byrne, são expostos em paralelo à história de Josh Waitzkin. 

 

É válido enfatizar que além dos fatos históricos sobre Bobby Fischer, Josh Waitzkin não é apenas um personagem fictício, pelo contrário, a obra baseia-se na vida do próprio enxadrista Josh Waitzkin, de Nova Iorque, que começou a jogar xadrez aos 6 anos de idade, tornou-se Mestre Nacional aos 13 anos e Mestre Internacional aos 16 anos, além disso, aos 11 anos ele venceu Edward A Frumkin com um mate forçado ao fazer um sacrifício de torre e outro de dama que ficou imortalizado[2]

 

Em suma, o filme Lances inocentes revela ser uma opção excepcional para a divulgação do xadrez através do cinema e, somado a isto, suscita grandes questões sobre a educação infantil à medida que o xadrez prova ser um dos melhores jogos educativos de conteúdo didático-pedagógico no processo ensino-aprendizagem. É como bem pontua Juan Antonio Murcia (2005, p. 09) ao destacar que “o jogo é um fenômeno antropológico que se deve considerar no estudo do ser humano” e tem uma ligação histórica com o mesmo, tanto pelo fato do ser humano sempre ter jogado - às vezes menos, às vezes mais - como pelo caráter lúdico-educativo dos jogos. 

 

Assim sendo, a atividade lúdica é antiga tanto quanto a própria humanidade, estando a mesma inserida em todas as circunstâncias e culturas, e com isso, desenvolveu (e desenvolve ainda hoje) normas comportamentais que foram de grande ajuda para a maturação do indivíduo, pois o jogo faz parte da identidade dos povos, dito de outra forma, ao mesmo tempo que o jogo é gerador de cultura, é também um fenômeno antropológico determinante para a formação dos indivíduos e das sociedades. 

 

Portanto, seja pela abordagem enxadrista ou pelas implicações educativas às quais tornam o xadrez um forte aliado do ensino-aprendizagem enquanto instrumento didático-pedagógico, há de se admitir que o filme analisado trata-se de uma referência substancial para que compreenda-se devidamente os temas aqui expostos, assim como para a divulgação do xadrez enquanto esporte intelectual. 


NOTAS


[1]. Para os leitores que não conhecem a “Partida do século”, veja-a analisada no Chess.com, aqui.


[2]. Saiba mais sobre o famoso mate de Josh Waitzkin aos 11 anos no canal Xadrez Brasil e comentado pelo Rafael Leite, aqui.

REFERÊNCIAS


BECKER, Idel. Manual de Xadrez. São Paulo: Nobel, 2002.


MURCIA, Juan A. Moreno. Aprendizagem através do jogo. São Paulo: Artmed, 2005. E-book. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 05 de jun. 2021.


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