Vikings, de Michael Hirst


FICHA TÉCNICA

2013 / 06 temporadas

Criador: Michael Hirst

Direção: Ciaran Donnelly, Johan Renck, Ken Girotti

Emissora: History

Gênero: Drama histórico, ação

Nacionalidade: Canadá, Irlanda

 

A série Vikings é fascinante quando o objetivo é ilustrar a mitologia nórdica, bem como seus valores morais e fatos históricos referentes a um povo que tornou-se alusão clássica no que diz respeito ao guerreiro bárbaro. Além disso,  apresenta o ethos nórdico e reconstrói por intermédio da cinematografia alguns dos principais conflitos entre a mentalidade cristã e a mentalidade nórdica da época, instigando a correlação entre diversos paradigmas religiosos, morais, políticos, etc.

 

A mitologia é uma área de estudo que investiga os mitos e lendas na tentativa de compreender culturas que usaram os mitos e lendas como um método explicativo para os fenômenos naturais ou sobrenaturais, bem como para a realidade em si, ou seja, “a mitologia não foi criada por acaso e sim por uma imensa necessidade humana de explicar a vida e as coisas que existem no mundo” (PETERSEN et al., p. 02, 2012). Afirma-se regularmente em estudos filosóficos que a mitologia foi o primeiro método explicativo da realidade e também que foi graças à mesma que tornou-se possível o nascimento da filosofia, assim como a filosofia deu origem às ciências. 

 

Além das mitologias nórdicas e gregas, também há outras como as chinesas, egípcias, babilônicas, judaicas, eslavas, entre tantas outras que são menos famosas quanto as citadas. O contexto geográfico e cultural dos vikings (nórdicos) é comumente referido a um povo situado na região da Escandinávia durante os anos de 793 a 1066, que hoje é a região da Dinamarca, Noruega e Suécia. Este contexto histórico-mitológico dentro do enredo da série é erguido a partir do lendário personagem Ragnar Lothbrok, uma das maiores personalidades do povo nórdico, ou melhor, uma figura histórica que alcançou dimensões míticas, tanto na série como na história; Ragnar transita entre a lenda, o mito e a realidade. 

 

As mitologias podem ser caracterizadas por vários símbolos que fundamentam a “crença na existência de um poder superior que liga a humanidade a determinada divindade” (PETERSEN et al., p. 03, 2012), assim sendo, podem ser definidas como religiões dependendo do contexto histórico, geográfico, folclórico e função social das mesmas; tanto que até os dias atuais alguns deuses nórdicos “ainda são louvados em algumas áreas rurais que mantêm suas tradições até hoje, revivendo a cultura nórdica” (PETERSEN et al., p. 05, 2012) e seu folclore.

 

À vista disso, nota-se que as mitologias exibem uma enorme influência que vai desde a fundação cultural do mundo até seu ápice com as ciências como a antropologia, sociologia, psicologia, etc., visto que as mesmas estudam o ser humano e suas relações. Este e outros vários pontos temáticos presentes na série emergem através dos conflitos entre cristianismo e mitologia nórdica — similares aos conflitos da mitologia grega x cristianismo romano — e que aconteceram entre o final da Era Viking e início da Idade Média, provocando vários conflitos políticos e religiosos entre vikings e cristãos que permeiam o enredo de toda a série.

 

A mitologia nórdica é um politeísmo no qual existem “mais de 200 deuses” e “poucos deuses são lembrados por serem divididos em uma hierarquia” (PETERSEN et al., p. 06, 2012), sendo Odin adorado como "o Deus dos deuses" e pai de Thor, deus do trovão. 

 

É de suma relevância destacar que o politeísmo nórdico era mais voltado para a guerra e para a família que era o centro da comunidade, assim sendo, era exigido dos integrantes da comunidade papéis sociais e valores que, em muitos casos, divergiam dos papéis sociais e valores exigidos pelos cristãos da época. 

 

De forma breve, as sociedades vikings eram organizadas sob a ótica da guerra, tanto que “até a chegada do cristianismo, as sociedades Vikings não estavam unificadas sob nenhum estandarte, sendo a tribo e a família as principais formas de organização social”, visto que “a presença do cristianismo – e com ele a monarquia – nos reinos ingleses vizinhos, não permitiu que se instaurasse a violência da maneira como ocorreu nas sociedades Vikings” (PALAMIN, p. 43, 2015). 

 

Ainda de acordo com Palamin (p. 42, 2015), os mitos possuem funções na sociedade que vão desde o papel religioso e místico, até a interpretação do universo de modo a legitimar a ordem moral da sociedade, ou seja, as narrativas mitológicas nórdicas focam nos valores que formavam uma consciência guerreira pautada na honra e, diferente do cristianismo, a vingança era um valor que tinha íntima relação com as concepções de honra. O cristianismo atual e da época considerava a vingança algo ruim e valorizava a misericórdia, mas para os nórdicos “o indivíduo tinha o dever moral de se vingar, se uma violação tivesse realmente acontecido e a vingança poderia ser executada por qualquer membro da família, do avô ao neto, genros ou cunhados” (PALAMIN, p. 44, 2015).

 

Esses problemas que dizem respeito ao caráter da transvaloração dos valores podem ser verificados a partir da criação, destruição e inversão dos valores que foram detalhadamente investigados pela filosofia de Friedrich Nietzsche e, de forma mais específica, na sua obra Genealogia da moral (1887). 

 

Segundo Mônica Oliveira (p. 71, 2016), “a concepção nietzschiana de valor opera uma ousada crítica à fundamentação transcendente dos valores morais e acaba por denunciar seu fundamento estritamente ‘humano, demasiado humano’”, ou melhor, os valores que são considerados por cada época como absolutos, eternos e imutáveis, segundo o filósofo, “possuem uma procedência e uma história, o que acaba por evidenciar o aspecto móvel dos valores, pois, no entender do pensador alemão, eles nascem, modificam-se e, em muitos casos, desaparecem”.

 

Os conflitos entre cristãos e nórdicos foram mais que uma simples guerra por território e poder, mas também um processo de destruição, inversão e criação de valores como verifica-se na filosofia nietzschiana, bem como nas concepções valorativas mitológicas, outras religiões e transformações culturais e morais que em certas épocas eclodem até tornarem-se processos violentos de transvaloração dos valores. 

 

Além de tudo, a compreensão da mulher pelas sociedades nórdicas e seus mitos, até certo ponto, era contrária às concepções que definiam os valores da mulher cristã, pois as deusas nórdicas eram associadas “a valores guerreiros de auto-suficiência, feminilidade, e feitiçaria, e de outro lado a imagem da virgem, como representante do modelo de pureza, submissão e devotamento à família". Assim, evitando-se generalizações, pode-se afirmar que as mulheres nórdicas tinham mais liberdade e poder de decisão sobre suas vidas e “eram integrantes de expedições colonizadoras e podiam participar na defesa armada em casos de ataques” (DELVALLE, s. p., 2014). 

 

A série Vikings é uma boa opção de entretenimento e uma ótima alternativa pedagógica para explorar questões de cunho histórico, religioso, míticos, assim como para a compreensão de problemas filosóficos sobre destruição, inversão e criação de valores. 

 

REFERÊNCIAS 

 

DELVALLE, Francielly da Silva. As representações da mulher na Mitologia Nórdica. In: XII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO DE HISTÓRIA, 2014, Aquidauana - MS. Anais [...]. Aquidauana - MS, 2014. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 25 de out. 2021. 

 

PALAMIN, Flávio Guadagnucci. Representações de honra e vingança na mitologia nórdica. Revista Brasileira de História das Religiões, n. 23, p. 39-55, 2015. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 de out. 2021.

 

PETERSEN, B. K. et al. Mitologia Nórdica e as Diferentes Mitologias Pelo Mundo. Rev. Colégio Mãe de Deus, v. 03, p. 01-09, 2012. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 23 de nov. 2021.


OLIVEIRA, Mônica Souza de. Nietzsche e a transvaloração de todos os valores. Revista Eletrônica de Filosofia da UESB, n. 01, p. 69-84, 2016. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 02 de dez. 2021. 


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