Freud, de Marvin Kren


FICHA TÉCNICA

2020 / 01 tem. / Alemanha, Áustria

Direção: Marvin Kren

Gênero: Thriller psicológico, crime

Elenco: Robert Finster, Ella Rumpf, Georg Friedrich, 

Stefan Konarske


A série Freud, dirigida por Marvin Kren, cria uma narrativa fictícia sobre a história do médico neurologista que criou a psicanálise. Sigmund Freud foi um médico que especializou-se em Psiquiatria e revolucionou a forma de pensar a vida psíquica, pois ao investigar cientificamente questões que até então eram consideradas “obscuras” e “misteriosas”, foi capaz de elaborar possíveis diagnósticos para os problemas psíquicos causados pelos desejos reprimidos e provenientes de fantasias, sonhos, esquecimentos, interioridades etc.


Sabe-se, segundo Ana Bock, Odair Furtado e Maria Teixeira (2001, p. 70-71), que as teorias científicas são criadas sob “condições da vida social, nos seus aspectos econômicos, políticos, culturais etc.” para contribuir ou alterar, "radicalmente, o desenvolvimento do conhecimento”. E a psicanálise enquanto teoria científica, também, experimentou o mesmo peso que outras teorias inovadoras experimentaram, porquanto além de ser uma teoria que sistematizou o funcionamento da vida psíquica, igualmente foi ousada ao elaborar um método de investigação caracterizado pela interpretação “que busca o significado oculto daquilo que é manifesto por meio de ações e palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, as associações livres, os atos falhos”; além, é claro, da prática profissional e suas formas de tratamento que buscam “o autoconhecimento ou a cura, que ocorre através desse autoconhecimento”.


A narrativa da série não têm a intenção de reproduzir fielmente o retrato histórico de seus personagens principais, em vez disso, mistura realidade e ficção a partir da juventude do psicanalista de modo a divagar entre terror, crime, misticismo e alguns conceitos centrais de sua teoria, ou melhor, centra-se não apenas em dados históricos e teóricos. Assim, a série personifica um Freud envolvido com investigações criminais envoltas em mistérios traumáticos relacionados com o complexo caos psíquico dos envolvidos, com os quais aproveita-se as teses analíticas da psicanálise para desvendar os mistérios que giram em torno de sintomas psíquicos que, até então, eram ignorados pelas investigações científicas da época em questão.


O surgimento da Psicanálise forçou uma mudança radical nos métodos e abordagens psiquiátricas que eram caracterizados pela frieza materialista e uma visão excessivamente objetivista dos médicos sobre seus pacientes, dando lugar a diagnósticos mais flexíveis e humanistas na medida em que a psique era repensada pelas investigações e descobertas feitas por Freud ao apresentar relevantes descobertas, revolucionárias para a compreensão das doenças mentais, seja para a Psiquiatria, Psicologia e outras áreas.


Os episódios da série são inspirados em conceitos corriqueiros nos estudos psicanalíticos: histeria, trauma, sonâmbulos, totem e tabu, desejo, regressão, catarse, supressão. O enredo é guiado por aquilo que nos estudos da psicanálise chamam de mecanismos de defesa do ego em que a realidade é deformada ou suprimida com o objetivo de excluir “da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o aparelho psíquico” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 78). É uma operação psíquica na qual a realidade é visualizada como ela não é, muito comum em casos de recalque, formação reativa, regressão, projeção, racionalização etc.


Os mecanismos de defesa do ego estão intimamente ligados à estrutura do aparelho psíquico no qual Freud apresentou duas concepções sobre o funcionamento e estrutura da mente. A primeira é constituída por três “instâncias psíquicas: inconsciente, pré-consciente e consciente” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 73); na segunda ele renomeia “e introduz os conceitos de id, ego e superego para referir-se aos três sistemas da personalidade” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 77). O aparelho psíquico e sua estrutura é como a ponta do iceberg em todas as investigações da Psicanálise sobre a mente.


É indispensável ressaltar ser má fé afirmar que a série sirva como fundamento argumentativo para os debates em torno de Freud e da Psicanálise, felizmente, a mesma pode ser posta como uma ótima alternativa criativa de entretenimento que, de forma introdutória e geral, divulga alguns conceitos e casos que foram importantes para a formação do corpo teórico da Psicanálise.


Assim sendo, recomenda-se que a série seja identificada como uma ficção construída a partir do real. Também, é sabido que a situação quanto à cientificidade da Psicanálise ainda é um debate atual e sem um consenso teórico sobre o tema (como é comum noutras áreas mais consolidadas), visto que em relação aos questionamentos sobre a cientificidade da psicanálise, Fabio Herrmann (2006, p. 56) afirma que a Psicanálise não é uma árvore “grossa e bem copada, com fundas raízes”, mas também destaca que ela não é “nem peroba nem grama, nem provisória técnica terapêutica, à espera da solução bioquímica da doença psíquica, nem ciência completa”, pois como ciência, ainda falta alguma coisa essencial e não é “a ausência de comprovação empírica”.


Obviamente, a Psicanálise, desde seu nascimento, despertou muitos debates, desafetos e interesses, mas convém atentar-se para a possibilidade de a Psicanálise ser uma “forte candidata à posição de teoria científica da alma, estrategicamente colocada como está entre Filosofia, Psicologia, Medicina e Literatura” (HERRMANN, 2006, p. 56).


REFERÊNCIAS


BOCK, A. M. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001.


HERRMANN, Fabio. Psicanálise, ciência e ficção. Jornal de Psicanálise, São Paulo, v. 39, n. 70, p. 55-79, jun. 2006. Disponível em: clique aqui. Acessos em: 26 de abr. 2022.


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