Superman: Entre a Foice e o Martelo, de Sam Liu


FICHA TÉCNICA

2020 / 84 min / Estados Unidos 

Direção: Sam Liu

Estúdio: Warner Bros. Animation

Gênero: Ação, animação, ficção científica


O filme-animação Superman: Entre a Foice e o Martelo é uma obra com propriedades instrutivas que servem de introdução para a compreensão de fenômenos políticos como o totalitarismo, fascismo, nazismo, comunismo etc. Baseado na adaptação criada pela DC Comics sob a marca Elseworld que destaca-se pela proposta de uma realidade alternativa centralizada na ideia do kryptoniano ser contra os ideais capitalistas e defensor do socialismo.


O enredo da animação faz alusão aos conflitos políticos da Ucrânia, território soviético sob o regime socialista de Stalin, no qual a trama é construída por meio de personagens dos quadrinhos, personagens históricos e outras conjecturas ligadas às ideologias ditatoriais leninistas, marxistas e o fortalecimento do stalinismo. A narrativa apresenta o Superman como um cidadão soviético de uma fazenda coletiva[1], considerado herói do trabalhador e defensor das causas socialistas, como também dos interesses da URSS.


É sedutor, inicialmente, pensar que o Homem do Amanhã não é um vilão, pois parece ser apenas um super-cidadão sob as ordens de Stalin. Entretanto, por meio de um exame mais atento percebe-se que o cumprimento de ordens faz o herói perder-se na demência do pensar – a decadência do não pensar – uma condição humana que Hannah Arendt chama de banalidade do mal. Por meio da filosofia de Hannah Arendt é possível analisar criticamente as questões totalitárias que encontram-se implícitas no enredo, questões morais que dizem respeito à demência do pensar do Superman, bem como a de Adolf Eichmann[2]


Os dois personagens (aquele fictício e este histórico) são marcados pela demência do pensar – obediência irrefletida ao Chefe de Estado – que cumpre seus deveres e segue as ordens do Estado, quase incapaz de pensar ou se colocar no lugar do outro. Obviamente, não é simples dizer com clareza como as ações do Superman, análogo ao caso de Adolf Eichmann, chegam ao mal radical dos regimes totalitários[3].


De acordo com Hannah Arendt, o comunismo e o nazismo são fenômenos totalitários que caracterizam-se pela destruição da pluralidade humana como ocorreu no nazismo de Hitler e no comunismo de Stalin. Com uma concepção utópica ou idealista da realidade, nazismo e comunismo “são regimes que traçam como objetivo chegar a uma ‘sociedade perfeita’, através da destruição dos ‘elementos negativos’ que se opõem a ela” (VICENTE, 2012, p. 54). Enquanto “para o nazismo, é necessário construir, através de qualquer meio, um regime novo e um outro homem”; de maneira similar, o comunismo coloca em “prática a destruição da pseudoclasse”, ou seja, os dois regimes “pertencem, portanto, ao mesmo mal, o totalitarismo” (VICENTE, 2012, p. 55). 


O funcionamento totalitário em regimes como o nazismo e o comunismo é determinado pelo domínio do Estado, da sociedade civil, do sistema econômico, da vida social, das escolas, das igrejas etc. Destróem a individualidade do cidadão obrigando-o a fundir-se com a “massa que comunga coletivamente no culto ao Chefe que representa o auge do aparato totalitário, a típica encarnação do princípio de dominação, que obriga o outro a se submeter, a ‘aniquilar-se’, e na obediência sem reservas ao partido” (VICENTE, 2012, p. 55). O partido decide quem é o inimigo: o inimigo de raça é o judeu para o nazismo e o inimigo de classe é o burguês para o comunismo; e nos dois casos o ódio e a violência convergem para o mesma fim totalitário.


Com o exposto compreende-se a dimensão da narrativa em questão quando altera o simbolismo e o ego do herói clássico ao colocá-lo como o herói do proletariado e dos movimentos operários, mas corrompido pelos aparelhos de estado que, sob a ideologia da foice e do martelo, torna-se um herói-totalitário alheio ao pensar e alienado das razões de suas ações pela obediência cega às ordens dos superiores. 


É evidente que os pontos reflexivos mais relevantes da narrativa encontram-se na seleção de arquétipos e situações históricas fundamentais para a compreensão do caráter totalitário, tendo como pano de fundo alguns contrastes e paralelos rememorados pelo discurso socialismo vs capitalismo.


Por conseguinte, frisa-se que a obra não deve ficar limitada por uma interpretação na qual o herói do proletariado é apenas o inimigo do capitalismo por causa de seu contexto político-totalitário; como fica evidente pelo exposto, tal procedimento seria uma interpretação medíocre e reducionista, uma vez que o simbolismo da foice e do martelo foi construído com base em variadas perspectivas de cunho histórico, sociológico e político-filosófico.


NOTAS


[1]. Uma ironia à versão original em que o Superman clássico é de uma fazenda privada, portanto, filho de um cenário econômico capitalista.


[2]. ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.


[3]. ARENDT, H. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.


REFERÊNCIAS


BRESSAN, Adriano Braga. “Superman: entre a foice e o martelo” e a Análise do Discurso: relações possíveis. Revista Philologus, v. 27, n. 81, p. 2419-2427, 2021. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 25 de set. 2022. 


Vicente, J. J. N. B. As duas faces do mal: comunismo e nazismo. Synesis, v. 04, n. 1, p. 53-63, 2012. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 23 de set. 2022.


Comentários

  1. Ótima análise. Obrigado pelo importante conteúdo. Uma luz em tempos que a escuridão paira sobre nosso país. Continuem...

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