A Pretensão do Conhecimento, de Friedrich Hayek


FICHA TÉCNICA

2019 / 56 pag / São Paulo

Autor: Friedrich Hayek

Editora: LVM Editora

Catalogação bibliográfica: Ciências sociais

ISBN: 978-85-93751-86-8


Este pequeno livro, A pretensão do conhecimento, trata-se da publicação dos dois discursos de Friedrich Hayek que foram pronunciados na ocasião em que o mesmo recebeu o Prêmio Nobel de Economia, em 1974. O economista F. Hayek é considerado um dos maiores economistas do livre mercado e conhecido pelas suas severas críticas contra os economistas ortodoxos que, segundo o mesmo, são influenciados por uma metodologia científica proveniente de modelos matemáticos genéricos que criticam o livre empreendedorismo e defendem o planejamento econômico a partir de um governo central.


O economista austríaco destaca a superioridade da economia de mercado, aponta a insuficiência e dispersão do conhecimento nas ciências sociais e, por fim, defende que o cientista deve adotar uma postura de humildade frente às pretensões e limites do conhecimento. Ou seja, pode-se afirmar que Friedrich Hayek encontra-se no centro de uma controvérsia filosófico-científica fundamental que é vigente nos estudos econômicos e que diz respeito ao método científico adotado pela mesma, e mais, Hayek foi integrante da escola austríaca, sendo esta uma das escolas que mais confrontou e confronta a macroeconomia dos economistas keynesianos, ortodoxos e conservadores.


É de suma relevância frisar que a obra em questão é considerada uma “versão popular” do artigo O uso do conhecimento na sociedade[1], além de fazer um resumo — ao apresentar os dois discurso de Hayek — de duas das mais severas críticas à economia ortodoxa: a primeira é feita ao método científico adotado pela mesma e a segunda é contra a proposta de um modelo econômico influenciado pelo estatismo de John Maynard Keynes (1883-1946). É sabido, mas vale destacar, que o keynesianismo surgiu como uma teoria econômica contrária ao liberalismo e que defende a plena ação do Estado nas políticas econômicas para garantir o pleno emprego e o equilíbrio econômico, ou seja, nem trata-se, ainda, de posicionamentos extremos como o socialismo e o comunismo.


Desse modo, o economista austríaco inicia seu discurso ironizando que “os economistas estão hoje sendo chamados para, digamos, salvar o mundo [...] da séria ameaça de aceleração inflacionária, que foi causada [...] pelas mesmas políticas que a maioria dos economistas recomendou” (p. 27-28). E, a partir desta colocação, afirma que a incapacidade dos economistas em conduzir políticas mais bem-sucedidas ocorre pelo equívoco de imitar rigorosamente as metodologias das ciências físicas, ou melhor, a partir do séc. XIX as ciências sociais deram início ao empreendimento de tornar seus métodos mais similares aos métodos das ciências físicas com o intuito de evitar os rótulos descritos como “procedimentos meramente filosóficos ou especulativos” comuns nos métodos filosóficos, além de visar romper com a própria filosofia e estabelecer leis para as ciências sociais, bem como ocorrera com a física, a química, etc.  


Segundo Friedrich Hayek (p. 28-29), essa postura pode ser denominada de cientismo e, infelizmente, caracterizada por uma conduta não científica repleta de jargões matemáticos e “modelos” irrealistas, visto que o conhecimento passa a ser usado ou produzido de forma mecânica e de maneira que os cientistas sociais, os economistas, sendo mais preciso, ignoram que “diferente das ciências físicas, na ciência econômica” que é uma disciplina cujo os fenômenos são complexos por natureza, “os aspectos dos eventos a serem explicados que sobre os quais podemos coletar dados quantitativos são necessariamente limitados e podem não incluir os mais importantes”. 


Dessa forma, o autor aponta que as ciências físicas investigam eventos cujo os fatores importantes para a determinação dos mesmos são observáveis e mensuráveis de forma direta, todavia, o mesmo não acontece com os eventos investigados pelas ciências sociais que os fatores importantes para a determinação do resultado de um processo não são conhecidos “ou mesmo mensuráveis por completo” (p. 29). O economista cita o mercado e outras estruturas sociais parecidas como um excelente exemplo de estruturas que rompem com frequência os limites dos métodos que são caracterizados pela busca de grandezas mensuráveis ou de provas quantitativas. 


É neste contexto metodológico que emerge a pretensão do conhecimento à qual Friedrich Hayek não mede esforços para investigar e denunciar, visto que essa pretensão científica comum nos estudos sociais tornou-se aceita como procedimento científico sólido, mas quando são examinados de forma mais criteriosa, revelam ser uma pretensão ilusória por deduzir que apenas os fatores mensuráveis são relevantes para as ciências sociais. É um método que possibilita melhores alternativas para a formulação de “provas” científicas para uma teoria falsa, “que será aceita porque é mais ‘científica’ do que a explicação válida, que será rejeitada apenas porque não há suficiente número de provas quantitativas para embasá-la” (p. 31). 


Por isso, equivoca-se os que afirmam que Hayek rejeita de forma generalizada o método matemático na economia, pois sua preocupação principal é destacar que é melhor “um conhecimento imperfeito, porém verdadeiro – mesmo que deixe muitas coisas indeterminadas e imprevisíveis –, a um pretenso conhecimento exato, mas provavelmente falso” (p. 39). Esta crítica é extremamente pertinente, uma vez que os problemas metodológicos citados pelo autor são rotulados de “meras especulações filosóficas” desprovidas de provas quantitativas, mas ignorando o fato de que toda a base metodológica das ciências foi estabelecida pela mesma filosofia que é, nos dias atuais, ignorada pelos economistas ortodoxos e muitos especialistas das ciências sociais. 


As consequências podem ser bem drásticas quando os “problemas abstratos da Filosofia da Ciẽncia” são ignorados por qualquer área do conhecimento humano e acarreta “perigos no longo prazo, gerados em um campo mais abrangente, pela aceitação acrítica de afirmativas que têm a aparência de científicas” (p. 41, grifo do autor). Os avanços alcançados pelas ciências naturais provocaram, como bem pontua Hayek, expectativas pretensiosas quanto ao poder e limites da ciência, algo que afetou negativamente muitos que creem de forma exagerada no poder de previsão e controle da ciência, crendo cegamente que a mesma é ou será capaz de "moldar a sociedade ao bel-prazer” (p. 41) de modo a promover uma desconfiança generalizada contra os poucos que questionam essa postura acrítica. 


Portanto, acentua-se que a obra em questão não oferece embasamento teórico para o negacionismo ou outras propostas radicais que visam destruir a credibilidade da ciência, porquanto a principal preocupação do autor é assegurar a legitimidade e credibilidade da ciência, bem como destacar seus limites no campo das ciência sociais e humanas. Por fim, nota-se que essa conduta proposta pelo autor pretende evitar o charlatanismo e levantar uma advertência aos peritos e leigos para o fato de que em muitas circunstâncias “é bastante difícil discernir [...] entre as pretensões legítimas e ilegítimas promovidas em nome da ciência” (p. 43).


NOTAS


[1]. O artigo O uso do conhecimento na sociedade foi publicado originalmente no periódico American Economic Review, em 1945. Mas, caso o leitor queira acessá-lo, o mesmo foi traduzido diretamente do inglês e publicado pela Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia, v.1, n.1, p. 153-162, 2013. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 23 de dez. 2021.


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