2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick


FICHA TÉCNICA

1968 / 148 min / Ficção científica / Mistério

Direção: Stanley Kubrick

Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, Douglas Rain

Nacionalidade: EUA, Reino Unido da Grã-Bretanha,

Irlanda do Norte


O filme 2001: Uma Odisseia no Espaço pode ser compreendido como uma narrativa sobre o homem que abrange desde a pré-história ou “Aurora do Homem” até a relação do ser humano com o mundo físico por meio da ciência, fortalecendo, deste modo, a concepção de que as obras clássicas do cinema podem ser mais do que um simples recurso didático para o ensino e formação do indivíduo.


Sabe-se que nem todo conceito pode ser compreendido com facilidade e, de acordo com a área do conhecimento, os conceitos podem causar muita frustração quando se leva em conta seus níveis de complexidade. O filme em questão serve de exemplo ilustrativo para o reconhecimento da importância das obras cinematográficas enquanto apoio didático para o processo ensino-aprendizagem enquanto apreensão de conceitos, ou, como no caso da obra em questão, no ensino de conceitos da filosofia e da física, visto que a mesma “propõe uma discussão didática envolvendo os conceitos de gravidade, inércia e forças inerciais” e “retrata os fenômenos de forma consistente com as leis newtonianas” (PIASSI, 2013, p. 518); além da divulgação da música clássica atrelada aos mesmos conceitos filosóficos e científicos.


Em quatro partes a obra sustenta uma estrutura que transita entre a referência explícita à Odisseia de Homero, à filosofia de Friedrich Nietzsche e à teoria mitológica de Joseph Campbell, como destaca Anaxsuell Silva (2009, p. 227). Convém salientar o fato de que uma obra deste nível, já considerada clássica, dificilmente esgota suas possibilidades teóricas, dado que a mesma apresenta-se, na medida do possível, como uma moderna versão cinematográfica da Odisseia, tendo em vista que “para os gregos, as vastas extensões do mar eram tão misteriosas e remotas quanto são para nós os planetas onde lançamos nossos olhares”.


O mar que Ulisses navegou e palco de suas aventuras, após 21 séculos depois de Homero, é ocupado pelo lugar-significado denominado de espaço sideral e que é explorado por naves espaciais. A forma narrativa dos fatos do filme é semelhante às das grandes narrativas mitológicas, com riquezas de detalhes que, além de fatos e acontecimentos, comunica significados simbólicos sobre o mundo e o universo, a vida e a morte, a existência e seus sentidos. É a continuação da narrativa sobre a humanidade e sua incansável busca por um objeto que “pode ser descrito como o controle”, ou de outra forma, controle da situação que, “tomado em um plano mais geral, representa o controle do ser humano sobre a natureza e o controle político do conhecimento” (PIASSI, 2013, p. 524).


Enquanto o mítico-personagem Ulisses é o porta voz da humanidade na Odisseia, aqui este papel encontra-se sob a responsabilidade de Floyd que pode ser descrito como um “representante de uma classe maior, que poderia ser descrita, ainda que imprecisamente, como ‘a humanidade''' (PIASSI, 2013, p. 526). Ou seja, fica evidente, deste modo, que o filme é repleto de camadas com referências a fatos reais e símbolos abstratos.


A primeira parte, A aurora do homem, é iniciada ao som de Also sprach Zarathustra, de Richard Strauss, e o alinhamento entre o Sol, a Lua e a Terra, revelando algumas ideias renascentistas e outras da obra nietzschiana quando esta fala sobre “a necessidade do homem em ir além do seu estágio de conhecimento e consciência e se transformar em um Super Homem” (MACHADO, 2017, p. 338), visto que a própria composição de Strauss recebe o nome de um dos principais livros de Nietzsche, Assim falava Zaratustra (1883), uma obra hermética e que também é uma das obras nietzschiana que trata sobre o Além-do-homem (Übermensch).


A segunda parte, 2001 - Na Lua, inicia-se com a célebre cena em que o hominídeo lança um fêmur ao ar e este, de artefato tecnológico primitivo, transforma-se (passagem do passado ao futuro) num artefato espacial em movimento, o segundo artefato tecnológico é a nave espacial Orion que dança pelo cosmos ao som da valsa Danúbio Azul, de Strauss (SILVA, 2009, p. 226).


Na terceira parte, Missão Júpiter: 18 meses depois, é a vez dos computadores assumirem o controle e Hal é o personagem encarregado de representar sua classe (Inteligência Artificial). Os três momentos mais simbólicos envolvendo Hal são quando ele é tratado como um integrante da tripulação e ocorrem alguns questionamentos sobre a possibilidade do mesmo ter emoções reais, também quando ele joga xadrez com um humano e principalmente quando ele canta uma canção.


O primeiro momento de Hal pode ser melhor interpretado quando ele será desligado e canta a canção Daisy Bell, de Harry Dacre, pois apesar de não fazer parte da trilha musical do filme, esta música é extremamente relevante para a história da tecnologia pelo fato da mesma ser “a primeira canção cantada por um computador, em 1961 pelo IBM 709” (MACHADO, 2017, p. 342-343).


A quarta parte, Júpiter e além do infinito, é vinculada às outras partes do filme por meio das aparições do monólito. O monólito apareceu em momentos estratégicos do filme e da história humana, ou melhor, sempre que o monólito aparece na obra, ocorre um avanço na evolução do Homo sapiens em contraste com a busca do ser humano pelo controle e correlacionada com a concepção nietzschiana de Além-do-homem (Übermensch) a qual, de acordo com Anaxsuell Silva (2009, p. 227), é simbolizada pela figura do “feto humano. O feto é um planeta. O super-homem” (SILVA, 2009, p. 227).


O ser humano sempre buscou o controle: controle de si mesmo, da natureza, do mundo e em nossos dias alça seus primeiros vôos rumo ao controle dos planetas e seus inúmeros fenômenos cósmicos. Obviamente, sabe-se que há limites para a ciência com suas promessas de controle por meio do progresso tecnológico, mas esses limites ainda são desconhecidos para a humanidade, porém, o filme examinado evidencia que os mesmos são provocativos e também perigosos.


REFERÊNCIAS


MACHADO, J. C. de Camargo. Odisseia Musical: Análise Das Trilhas Musicais De “2001: Uma Odisseia No Espaço". Travessias, Cascavel, v. 11, n. 2, p. 336-347, 2017. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 18 de mai. 2022.


PIASSI, Luís Paulo. Clássicos do cinema nas aulas de ciências - A física em 2001: uma odisseia no espaço. Ciência & Educação (Bauru), v.19, n.3, p.517-534, 2013. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 04 de mai. 2022. 


SILVA, Anaxsuell. Uma Leitura De “2001: Uma Odisseia No Espaço”. Rev. Inter-legere, [S. l.], n. 4, 2013. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 05 de mai. 2022. 


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