A Voz do Silêncio, de Naoko Yamada


FICHA TÉCNICA

2016 / 130 min / Japão

Direção: Naoko Yamada

Estúdio: Kyoto Animation

Gênero: Animação, anime, drama, romance


O filme A Voz do Silêncio é uma animação que aborda questões que servem de apoio instrutivo e reflexivo sobre o povo surdo. A obra manifesta algumas das principais interfaces do ser surdo e de como o mesmo torna-se vítima de violência física e simbólica: bullying, preconceito, exclusão social e outras violências nos mais diversos espaços públicos e privados. 


A proposta do enredo é apresentar ao público vários problemas a partir de Shouko Nishimiya, uma garota surda que é vítima de bullying, exclusão social e outras violências físicas e simbólicas. A menina recém chegada à escola tenta ser aceita pelos colegas, mas vê-se diante de inúmeras agressões praticadas pelos mesmos, com destaque para Ishida Shouya que, à primeira vista, parece ser o principal agressor. Este, por sua vez, desconhece a dimensão de suas ações e à medida que torna-se mais consciente da gravidade de seus atos, isola-se da sociedade e desenvolve sintomas suicidas – possivelmente, provocados pelo sentimento de culpa. 


Os surdos, de acordo com a história e a literatura especializada, sempre foram rotulados sob a premissa de que eram doentes, incompletos e imperfeitos. Em muitos casos, eram submetidos a diversos métodos que visavam a integração dos mesmos à sociedade, mas tal integração se dava quase sempre a partir de preconceitos padronizados segundo as regras do oralismo e ouvintismo. 


Sabe-se que diversos equívocos sobre a surdez deram base para o fortalecimento de concepções absurdas em relação ao espaço-comunidade e identidade do povo surdo. Até os modelos clínico-terapêuticos vigentes antes do séc. XX eram fundamentados, de acordo com Andressa Araújo e Joilson Silva (2020, p. 744), em uma concepção de surdez associada “à patologia, ao déficit biológico” que “focaliza a perda auditiva e percebe o surdo como deficiente” ao estabelecer o oralismo como “o padrão da normalidade” e identificar o surdo apenas como um indivíduo incapaz de ouvir.


É importante ressaltar o fato de o oralismo e o ouvintismo serem concepções que interferem negativamente na construção da identidade do sujeito surdo, em outras palavras, são concepções que estão sob um pressuposto de “normalidade”, mas que essa normalidade foi e ainda é a principal causadora de preconceitos, violências e agressões contra “as pessoas diferentes”, além de afetar negativamente na comunicação e formação das mesmas.


A norma da fala (oralismo e ouvintismo) promove uma pseudointegração dos surdos que, na maioria dos casos, são “submetidos a intermináveis sessões de treinamento” para aprender a falar, todavia, após o aprendizado, “o surdo continua a não ser aceito na comunidade ouvinte [...] em função do que muitos referem de ‘o jeito surdo’ de falar, em referência à fala truncada, à diferença na pronúncia ou na clareza articulatória das palavras” (WITKOSKI, 2009, p. 566).


O caso presente no filme que diz respeito à questão da pseudointegração pode ser identificado quando os colegas de Shouko Nishimiya descobrem que irão estudar a língua de sinais japonesa, mas resistem em aprender e justificam que o uso do caderno como forma de comunicação e integração já é suficiente, ou melhor, um método de comunicação e integração que, com o andamento da trama, revela ser uma  pseudocomunicação e uma pseudointegração.


A própria Sílvia Witkoski (2009, p. 572) ao falar de suas experiências enquanto surda faz o relato de que passou por um processo de autonegação durante o transcorrer da sua “história de ensurdecimento”, desde que foi detectada a sua perda auditiva. Ela também conta alguns casos como o emblemático depoimento de Shirley Vilhalva[1] que ficava intrigada como as pessoas falavam mais com o papagaio da casa do que com ela, revelando a solidão do surdo que vê-se excluído pela norma da palavra falada.


Os desafios da comunicação com a pessoa surda são vistos como um problema que deve ser medicado, ignorado ou silenciado. É o que revela a personagem Shouko Nishimiya, pois quando não é medicada, é ignorada ou silenciada por meio de agressões dos mais diversos gêneros.


Portanto, destaca-se a relevância do filme A Voz do Silêncio no que diz respeito à conscientização – ética, política e educacional – da população quanto ao espaço-comunidade dos surdos, também em relação à urgência de respeitar suas diferenças e compreender que a norma da fala é uma concepção preconceituosa justificada pelos equívocos do oralismo e ouvintismo, tendo como principal sintoma a formação de uma identidade negada ou fragmentada.


NOTAS


[1]. Shirley Vilhalva é escritora surda, pedagoga, Mestre em Linguística - UFSC e Doutoranda em Linguística Aplicada UNICAMP/UFMS. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Atuante na comunidade surda, foi professora e diretora da Escola Estadual de Surdos - CEADA e professora no CAS/MS.


REFERÊNCIAS


ARAÚJO, Andressa; SILVA, Joilson. Surdez e preconceito: revisando a produção científica. Psicologia em Revista, v. 26, n. 2, p. 737-759, 2020. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 de ago. 2022. 


WITKOSKI, Sílvia. Surdez e preconceito: a norma da fala e o mito da leitura da palavra falada. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 42, p. 565-606, 2009. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 de ago. 2022.


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