A Etiqueta dos Encontros

O encontro (1854), de Gustave Courbet.


Pouco entendo de práticas civilizadas[1], mas quero mostrar algumas pequenas observações que venho tendo em conta. 


Os encontros… Eu gosto de observar os encontros para melhor formular meus argumentos. Os encontros, dizia, desmoralizam-se em provocações, afrontas e injúrias por ocasião de um desacordo ou, pelo fim das formalidades quando se realizam as insensibilidades, tais ou quais por má consciência de arrogantes, narcísicos, ressentidos etc.


Eu escuto as provocações e fico convencido de que a arte do bom caráter vai num retrocesso doido entre nós. 


E a falação caricata que mais revelações apresenta é aquela que se afirma às custas da felicidade dos outros. Porque, em se tratando de encontros com pessoas mal-educadas, não são os bons modos assim tão praticados e seguidos. Mesmo no que toca à autenticidade, os princípios são quase sempre limitados em garbos e clichês de soberba. 


Por que, então, tantos encontros? É custoso explicar, tanto mais que a comunhão fraterna, a caridade, não aparece. Não significa que tal coisa é e deve ser sempre assim. 


Os manuais de civilidade são ricos em conselhos notáveis que orientam o comportamento dos prudentes e estes poucos que existem hoje em dia são de extrema raridade. A própria ideia de civilidade está atualmente, entre nós, entregue às superficialidades; ficou sendo uma inversão, uma formalidade egóica e vai perdendo aos poucos o que possa haver nela de códigos morais e sociais para orientar a nossa conduta.


Os encontros são extraordinariamente bons para essas coisas de niilismo de regras, de anarquia egótica, de beletrismo, de babelização, mas quando se trata de moral consistente, de autogoverno, de bons modos, fraquejam.


O teólogo-filósofo e humanista cristão Erasmo de Roterdã, na obra A Civilidade Pueril (1530) que é apontada como um dos primeiros manuais de etiqueta, apresenta conselhos sobre o comportamento mais adequado nas diversas situações do cotidiano. O código de compostura, de acordo com Erasmo de Roterdã[2], é como um espelho que reflete a imagem da personalidade em formação e por tal razão insiste na necessidade de adequar o corpo ao espírito de onde refluem os princípios éticos com verdadeira grandeza e honestidade. 


Sei bem que há exceções, mas todas elas estão fora da etiqueta.


Os encontros têm sido sempre palco de extermínio das práticas civilizadas e se não temos mais tanta educação equivalente aos preceitos que os manuais de etiqueta registraram, é porque de uns tempos a esta parte a civilidade ficou sendo, entre nós, grife no egotismo das palavras, ou de outras que querem ganhar um pouco de fama fingindo civilidade aqui e ali.  


NOTAS


[1]. CECCHIN, Cristiane; CUNHA, M. T. Santos. Tenha modos! Educação e sociabilidades em manuais de civilidade e etiqueta. In: X SIMPÓSIO INTERNACIONAL - Processo Civilizador, 2007, Campinas - SP. Anais [...]. Campinas, 2007. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 02 de set. 2022.


[2]. Esta citação indireta é um comentário de Luiz Feracine na Apresentação da obra A Civilidade Pueril que, infelizmente, não há detalhes sobre a referência do texto PDF baixado pelo site USP: e-Disciplinas. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 22 de ago. 2022.


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