Educação Familiar

Almofada de renda de bilros (In: Associação das Rendeiras
Bilro de Ouro
).


Eu estava estudando alguns livros sobre como ler, entender e redigir textos. Esses estudos do gênero. Não esperava encontrar um belíssimo texto, desses mais para crônica do que para artigo, que falava de avós nas janelas da escola. Aquela leitura foi muito esclarecedora sobre a importância das famílias na educação das crianças e lembrei-me muito da minha falecida avó materna.


Quando eu tinha meus cinco anos, meus seis anos, morava com a minha avó materna. Eu lembro que todos os dias, mais ou menos às quinze horas da tarde, ela sentava-se no chão ao lado de sua almofada de renda, na qual tecia os fios com os bilros — eu não sabia os nomes na época[1] —, feitos a partir de semente de tucum e haste de madeira, tendo como base moldes de papel ou papelão fixados numa almofada arredondada (cilíndrica). Lembro-me também que haviam perfurações com alfinetes ou espinhos de mandacaru em sua superfície que eram desenhados os motivos (trama em seu processo de tecelagem) e pontos que dariam forma ao produto final.


O trabalho da minha avó (rendeira) era tecer a peça do dia ou alguma outra que ficou inacabada no dia anterior, bem como ficar de olho nos meus estudos. Ela queria que eu aprendesse a ler e a contar, pondo-me ao lado dela com uma cartilha do ABC e uma tabuada que eu ficava lendo em voz alta.  Mesmo sem aprender muita coisa na época, lembro-me sempre do cuidado que minha vó tinha com a minha educação: ler a tabuada, o ABC, respeitar os mais velhos e os superiores, terminar a tarefa iniciada etc.


Os avós podem desempenhar um papel decisivo na educação de seus netos, algo que muitas vezes nem mesmo os pais são capazes de oferecer. Os pais geralmente são rígidos e briguentos, pois vivem cansados de trabalhar além da crueza da idade. Os avós são dóceis mesmo quando corrigem os netos, talvez por já saberem que brigas não resolvem muita coisa, ou, simplesmente porque o labor do tempo os importaram uma enorme grandeza de caridade. Eles doam carinho e generosidade com uma enorme facilidade. Muitos podem reclamar que os seus avós não são tão bons assim. E eu digo: a vida não é uma régua de medida sempre assertiva. Muitos pais há que também deveriam amar e cuidar de seus filhos, mas não cuidam e muitos menos os amam. Não quero estes como nossos modelos!


Os modelos já citados e os que em seguida vos falarei, bem como o exemplo das minhas duas avós (materna e paterna) se encaixam melhor na definição de educação familiar. Mas voltemos ao texto sobre as avós e as janelas da escola


Cláudio de Moura Castro[2], em seu texto A vovó na janela, nos conta algo interessante sobre o papel da família na educação das crianças. O curioso caso das avós nas janelas que foram descobertas por causa de uma pesquisa internacional sobre o aprendizado da leitura em que os resultados da Coréia eram excessivamente elevados. Desconfiados com os resultados, enviaram emissários para checar a questão e ao visitar uma escola o emissário viu várias mulheres nas janelas das escolas a espiar dentro das salas de aula. Eram as avós dos alunos que estavam vigiando seus netos para saber se estavam ou não prestando atenção nas aulas. 


A educação dos países do Leste Asiático despertaram o interesse do mundo de tal forma que até os pesquisadores americanos foram observar as casas dos imigrantes orientais. Eles observaram que quando os pais chegavam do trabalho, transformavam a mesa da sala em área de estudo onde todos sentavam-se sob disciplina estrita. Isto pode ser observado em mangás, filmes e séries do gênero Slice of life em que a obra preocupa-se em retratar a realidade doméstica das famílias orientais. 


Com esses casos e fatos contados, ao lembrar-me da dedicação da minha avó materna (mesmo com suas limitações), noto, assim como Cláudio Castro, que cada família e cada sociedade têm a educação que quer. Se a nossa não é grande coisa é por culpa do estado tanto quanto das nossas famílias. É também culpa nossa (estudantes) que não estudamos corretamente, não nos alfabetizamos e nem continuamos tal processo que requer vários níveis de dificuldade a serem superados. 


E se nós enquanto estudantes não nos esforçamos quando nossos avós não nos vigiam, nem prestamos atenção nas aulas, significa que algum dia não seremos capazes de fazer nossa parte como pais, tios e avós. E o ciclo se repetirá de geração em geração, assim como a arte das rendeiras que caracteriza-se como história dos saberes artesanais construídos no ambiente familiar. Arte esta que quase se perdeu pela falta da prática, observação e imitação, na qual o fator mais necessário e decisivo acontece sem nenhuma intenção formal, longe das escolas; mas, repassados de uma geração para outra como “crença inabalável de que a educação é o segredo do sucesso” (CASTRO, 1985, p. 267). 


NOTAS


[1]. Há tempos lembrava-me dos utensílios artesanais da minha avó (Rita Silva de Castro) mas sequer sabia os nomes da maioria deles. Por isso pesquisei sobre o tema e encontrei o texto “O artesanato tradicional”, publicado no site Associação das Rendeiras Bilro de Ouro. Disponível em: clique aqui. Acesso em 10 de jun. 2023.


[2]. CASTRO, Cláudio de Moura. A vovó na janela. In: ____. Crônicas de uma educação vacilante. Rio de Janeiro: Rocco, 1985, p. 266-268.


Comentários