O Cheiro do Papaia Verde, de Tran Anh Hun


FICHA TÉCNICA 

1993 / 104 min. / Drama, Música, Romance 

Direção: Tran Anh Hun 

Elenco: Nu Yên-Khê Tran (Mui), Man San Lu (Mùi, aos 10 anos),

Thi Loc Truong (A mãe) etc.

Nacionalidade: França, Vietname


Basta que façamos um breve passeio pelos filmes do passado para percebermos o nosso estado de demência. O excesso de apelação dos filmes atuais só são claramente notados quando nossa visão, nossa audição, nossos sentidos, deparam-se com filmes como O Cheiro do Papaia Verde (1993), de Tran Anh Hung.


O diretor do filme, Tran Anh Hung (23 de dez. 1962), é um cineasta vietnamita que recebeu o prêmio de melhor direção no festival de Cannes de 1993. Dizem que quando esse filme foi lançado, o país de Hung passava por uma crise e por essa razão ele quis representar o lado mais simples, sensível e o cotidiano das famílias de seu país. (Eu não busquei mais informações sobre esse fato.)


É um filme simplíssimo. Ora, é com base na simplicidade que deveríamos julgar a arte e isso é reforçado por Leonardo da Vinci quando afirma que a simplicidade é o último grau de sofisticação; isto é, apenas na simplicidade da arte é que encontramos a sofisticação dos símbolos que de fato representam o que a vida é. 


A vida é cheia de nuances simbólicas ante uma criatura finita que se encanta na mesma medida em que se perde nos sofrimentos e perdas. A atuação da personagem Mui é a configuração dessa simplicidade humana, desse encantamento pela natureza e seus respectivos integrantes. Ela olha tudo como se estivesse contemplando o próprio mistério encarnado, mistério da vida revelado nos sapinhos, nas formiguinhas, também no próprio mistério maternal ainda não revelado, mas que a persegue constantemente pelos símbolos que inconscientemente mais lhe despertam o interesse. 


A Mui busca se encontrar na arte natural, na beleza da natureza pois ainda desconhece as belas letras[1]. Nós precisamos da arte para nos encontrar, saber quem somos. Por essa e outras razões, a verdade e a beleza da vida não cabe nos exageros desconexos, repetitivos e ocos; já sabemos que a realeza da vida não é satisfatoriamente expressada por uma arte excessivamente apelativa ou extravagante como a hollywoodiana, por exemplo. A extravagância dificilmente alcança a simplicidade da realidade. 


O filme O Cheiro do Papaia Verde[2] não é perfeito, claro, há nele problemas como qualquer criação humana. Mas encontramos nele de forma realista problemas reais, sérios e agonizantes. O “ar de paz” que nos engana inicialmente esconde muitos conflitos, confrontos e discórdias. Há ali preconceitos, exclusão e chegamos mesmo a testemunhar — cartaticamente — a escravidão do ser, a submissão da mulher, a covardia do homem. 


Mas há redenção, pois a vida se renova a cada ciclo, a vida implora por mais vida quando a maternidade é o elo de união entre a não-vida e a vida, entre o ser e o não-ser. Alguns até mesmo dizem, como Balzac, que o coração das mães é um abismo no fundo do qual se encontra sempre um perdão. O perdão nos redime, de nós mesmos e do mundo que nos machuca e nos diminui. O coração de Mui é o perdão que há no filme, é o perdão que nos redime, é o perdão que nos purga dos sentimentos negativos e hostis.


O doce olhar de Mui reflete seu coração gentil que tudo acalma. Ela é a leveza do filme, dos ambientes e o consolo de uma mãe desolada que a vê como a cura do seu luto.


A demência que mencionei no início, nós não a encontramos apenas na arte do cinema, mas também na música, na literatura, na pintura, na arquitetura etc., nas diversas artes atuais, pois perderam de vista o real, o natural e também o ideal, perderam a medida, perderam a regra e até a própria beleza. Com a desculpa da liberdade criativa, não sobrou quase nada de arte, apenas desordem, apelação e excessiva exposição — ou melhor, apenas demência. 


Por isso, ressalto que este filme não será apreciado por aqueles cujos os sentidos estão superestimulados e viciados em excesso sonoro, visual e ficcional. É uma obra que requer a desenvoltura da calma, da paciência e da sensibilidade. A atenção ao verdadeiro significado da mensagem é essencial para a interpretação dos símbolos naturais e dos conflitos sociais e familiares da obra. E por fim, não é um filme para apressados. 


NOTAS


[1]. Este fato de Mui ainda não ser alfabetizada foi o que mais me encantou no filme, visto que a cena na qual seu Marido ensina-lhe as belas letras é uma das mais bonitas e significativas da obra.


[2]. O título do filme é este porque o cheiro do papaia (mamão) verde instiga Mui a relembrar o passado.


Comentários